terça-feira, 30 de abril de 2019

Carlos Paião: um nome que ficará para sempre

Entrevista feita aos pais do cantor no dia 13 de Outubro de 2014

- O Carlos nasceu em Ílhavo ou em Coimbra?

Ofélia Paião - Nasceu em Coimbra, porque foi cesariana. Nasceu na maternidade de S.António dos Olivais. Não havia outra forma, só por isso, e por recomendação do médico, teve de ir a Coimbra. Com 2 semanas voltou novamente para Ílhavo. Foi lá baptizado, na Igreja de S.Salvador, a 29 de Dezembro de 1958 e foi nesta igreja que fez a 1ª comunhão.

C. Paião - Por engraçado que pareça, foi nessa igreja que nós nos casámos em 1956. O casamento foi em casa (embora tivéssemos estado antes na missa) com o Prior da nossa terra, o Padre Júlio Tavares Rebimbas, que mais tarde seria Bispo do Porto.

- Mas a infância dele, desde essa altura, foi em Ílhavo?

Mãe - Sim, o Carlos é de Ílhavo. Viveu em Ílhavo até aos 9 anos, quando o pai veio para Lisboa para os Pilotos da Barra, em 1965. Depois dessa altura, fomos viver para Rana. Chegou a fazer a 1ª a 2ª classe em Ílhavo, depois estudou nos Salesianos do Estoril até à admissão ao liceu. Frequentou o Liceu de Nova Oeiras, 1º e 2º ano e depois até ao 7º ano, no Liceu de S.João do Estoril. Licenciou-se na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Acabou o curso. Fez internato, como aluno. Esteve nos hospitais: Maternidade Alfredo da Costa, Pulido Valente, Medicina Legal, Hospital de S.José, e no Egas Moniz. Mas esteve sempre ligado à música. Nisso saiu ao pai, que adorava tocar guitarra e fazer serenatas.Tirou o curso de medicina, clínica geral. Mas o seu destino era a música, era um ´bichinho´ que lhe estava no sangue.

- Quais eram os sonhos do Carlos quando era criança?

Pai - Não queria ir para o mar, como eu. No 5º ano, foi fazer os testes no Instituto Português de Orientação Profissional em Lisboa. Deu aptidão para médico, em clínica geral, letras, investigação e música. Foi sempre um excelente aluno. Ciências ou letras, porque era bom aluno nas duas. Mas a vocação dele era outra.

- Mas depois vieram viver para Rana.

Mãe - Viémos para cá, para o Carlos estudar e também por causa do trabalho do meu marido, mas de vez em quando íamos a Ílhavo. Lá estava a nossa família. As férias é que, normalmente eram passadas na Costa Nova.

- Quais eram os hobbys do Carlos?

Pai - Inventar jogos. Mas a música vivia com ele. A 1ª letra foi feita com 10 anos. A letra era mais ou menos assim: “Eu ainda sou um rapaz, apenas com 10 anos, mas nunca fiquei para trás como o carro dos ciganos. Ó minha terra, meu Portugal...” era uma letra muito bonita para uma rapazito tão novo. Com 13 anos, fez uma biografia: o auto retrato de um presunçoso.

- Qual foi a 1ª canção?

Mãe - O Carlos concorreu ao Festival de Ílhavo com duas canções: “Canto de Guerra” e “Eu quero cantar a vida”. A 1ª foi a vencedora do festival e a 2ª ficou em 4º lugar. O Carlos ganhou ainda o prémio de melhor interpretação. E é em 1978 que assina contrato exclusivo com a Valentim de Carvalho.

- O salto foi mesmo o Play-Back.

Pai - Foi, em 1981. Mas já tinha escrito muito e cantado muitas canções. Mas foi aí que as coisas começaram a ficar mais sérias. Começou com muitos espectáculos e a escrever. Começou a escrever letras e músicas para outros artistas, nomeadamente para o Herman José, que afirma ainda hoje continuar a cantá-las nos seus espetáculos.

- Quando ele faleceu, foi para o Cemitério de S.Domingos de Rana

Mãe - Foi. O Carlos tinha 31 anos, era casado e vivia aqui. Quem celebrou a missa foi o Padre Ribeiro, que era na altura o Prior da igreja. Ainda hoje nos telefona. Mas o nosso maior desejo era levá-lo para Ílhavo. Eu e o meu marido queríamos muito, porque é lá a nossa terra, temos a nossa família e sabíamos que o Carlos gostaria de estar em Ílhavo.

Houve uma homenagem em Ílhavo, o ano passado.

Pai - Foi no Centro Cultural, pela Orquestra Filarmonia das Beiras. “Reviver Carlos Paião”, no dia 12 de Outubro. Houve uma grande exposição, Pegaram nas canções do Carlos, e orquestraram tudo. Os estudantes do canto da Universidade de Aveiro, cantaram as canções do Carlos. O maestro, António Vassado, tinha feito um programa com 12 canções e foram feitos novos arranjos. Quatro estudantes deram a voz. Em palco estiveram 40 elementos. Foi emocionante, foi uma noite inesquecível !

- A comunicação social foi informada da transladação?

Mãe - Não foi. Nem os amigos do Carlos. Que nos perdoem aqueles que gostariam de o acompanhar à última e derradeira morada, mas...queremos levar o nosso filho com a paz e a dignidade que ele merecia. Queremos sigilo absoluto. É um momento nosso, muito nosso, e queremos vivê-lo à nossa maneira. Temos a certeza que todos vão entender. Agora ele vai voltar para ´casa´.

Entrevista de Rosário Azedo - Jornal CascaisAlgés

Uma vida que não se apaga Uma história que não terminou no dia 26 de Agosto de 1988...porque havia muito para contar, para relembrar. Um filho não morre, um filho fica sempre presente em todos os cantos, em cada canto, em todos os pensamentos, no coração de um pai e de uma mãe. A lei da vida, nem sempre é a lei da vida. Há caminhos que gostaríamos de não os traçar. Passaram 26 anos, e perguntamos: que sonhos ? Muitos ! O sonho de recordar momentos deliciosos que partilharam com ele, momentos que passam como um filme que não pára, momentos que são a vida, fazem parte de uma vida onde só houve felicidade. E tanto amor não pode partir, porque um amor assim, nunca morre. Esta é uma história onde agora não há filhos, só há pais. Não partiu como quem nasce. Partiu como quem não podia morrer. Mas um filho não parte...um filho nunca parte. Deixou o coração dos pais muito apertado, por vezes sem ar para respirar. E a pergunta permanece: porquê ? Um filho não é nosso, mas será sempre. Ninguém é de ninguém, mas o amor rebenta com essas ´portas´ e avança, mesmo sem perguntar. Pensar: que bom que foi quando ele nasceu ! O privilégio de o verem crescer saudável e cheio de dons, de ternura. Um rapaz que tinha tanto para dar... Hoje têm que agradecer pelos 31 anos que Deus o deixou estar com eles. A vida não nos pertence, mas não mandamos no nosso coração. Como era bom traçar o destino e virar a rota. Hoje, ficam as doces lembranças, o querer voltar atrás no tempo, mas ao mesmo tempo o agradecer pelo filho extraordinário que tiveram. Sepultado no Cemitério de S.Domingos de Rana, desde o dia 28 de Agosto de 1988, finalmente voltou para ´casa´. O sonho de uns pais: “O maior sonho que eu tenho na vida, é levar o meu filho para Ílhavo. Depois posso morrer descansado.” Dói muito ouvir esta frase. Fica marcada. Mas o milagre de Deus, se é que para Deus há milagres...concretizou-se e, no dia 14 de Outubro pelas 9 horas da manhã, a transladação foi feita para o Cemitério de Ílhavo. Foi muito difícil manter tudo em segredo desde o dia em que o corpo foi levantado de S.Domingos. Pedimos à Presidente da Junta, aos responsáveis pelo cemitério, para que nada fosse divulgado. A Presidente da Junta de S. Domingos de Rana enviou-nos uma mensagem nesse dia 14: “Como foi difícil para os serviços da Junta guardar este segredo... mas conseguimos. Foram muitos os telefonemas, de pessoas a perguntar...mas nós não podíamos dar essa informação. Estão de parabéns todos os funcionários que sabiam e quantas desculpas deram para que fosse cumprido o desejo destes pais maravilhosos, que mais não queriam do que fazer uma homenagem familiar a este ídolo de todos os tempos." Quiseram levar o Carlos em paz e fazer uma despedida só com os familiares. O que ficou ? Um sorriso cheio de amor naqueles dois seres que nada mais queriam do que despedir-se do filho no silêncio dos seus corações.

Rosário Azedo, 23 de Outubro de 2014
Jornal CascaisAlgés
https://issuu.com/rosarioazedo/docs/edi____o_n___19_completa

Carlos Paião: Há 27 anos a ´cantar´ nos Céus Carlos Paião: um homem que não ´morre´ no tempo, mas que se constrói em cada tempo vivido e repartido em pensamentos, em melodias, em canções. Um autor, compositor, artista, que não existiu: ele existe e será eterno. Carlos Paião é um nome que continua e continuará ´vivo´. Houve muitas histórias lindas: muitas cinderelas; muitos play-backs, onde a cegonha trouxe o bebé mais lindo do Mundo; muitas ´nuvens´ que continuam a chorar; as cores do arco-íris onde a pergunta permanece: “Quantos homens são precisos p´ra sonhar ?” Havia tantos beijos, abraços para dar. Tantos gestos de ternura, de quem ama. O Carlos ´vive´ naquela casa, ´vive´ naqueles dois corações e ´vive´ na certeza da vida eterna. Como uns segundos serviram para destruir uma família e ´matar´ uns pais. E uma vida inteira está a servir para continuar a amar, e amar muito quem nunca deixará de viver. Só sabe o que é o amor, quem ama sem limites. E um dia, o Carlos compôr uma música dedicada aos pais: “História Linda”. E esta é uma história linda, uma história onde poderá até não haver filhos, mas há um filho que nunca se perdeu, porque o coração não deixou. E quantas lágrimas, quantos desesperos, quantas vontades de desistir....mas o Carlos, lá no Céu, foi compondo a sua ´canção´. Compôr uma melodia com todos os toques de magia, de uma magia sem fim, para que estes dois amores da sua vida, conseguissem erguer a cabeça, se conseguissem abraçar, com o abraço mais forte do Mundo, para que nunca desistissem de viver, nunca desistissem de sorrir. O Carlos continua a ´viver´, porque os pais e um povo, nunca deixaram que ele ´morresse´. Ele está vivo lá em casa: naquelas paredes, em Ílhavo, em cada foto, em todas as fotos, em cada recordação que perdura. E quando um pai que perdeu um filho, um filho único, diz que....tem um sonho.... ficamos comovidos, porque há tantos pais com filhos que não conseguem sonhar e muito menos ter um sonho ! Ele teve um sonho, eles os dois choraram e sonharam, e um dia, o sonho tornou-se realidade: Levar o filho para a terra deles e ´deitá-lo´ numa campa perpétua e que ficará para todas as gerações que hão-de vir e onde o Carlos Paião há-de ser sempre uma chama viva. Este ano, neste dia 26 de Agosto de 2015, pela primeira vez, será rezada a missa na Igreja de Ílhavo e as flores terão muito mais brilho do que antes. A mágoa, as mágoas de sentir que o que nos pertence não podemos mexer, faz da nossa vida uma tristeza ainda mais pesada do que aquela que a morte deixou. Não existem palavras para descrever a saudade. A saudade não se vê, não se toca. Mas sente-se e existe para uns pais que nunca poderiam voltar a ser como nos tempos em que o sorriso do Carlos vivia estampado nos seus rostos, mas sabem e estão ´felizes´ por sentir que valeu a pena sonhar. Ao fim de 26 anos, no dia 14 de Outubro de 2014, finalmente, e no maior sigilo, era feita a transladação: do Cemitério de S.Domingos de Rana, onde esteve sepultado durante todo esse tempo para o Cemítério de Ílhavo, onde ´vive´ desde essa data. E a pergunta foi feita aos pais: - Alguma vez perderam a esperança de levar o Carlos para Ílhavo ? O que é que sentem depois destes 26 anos de espera ? “Sinto o conforto de ter realizado um sonho que desde sempre tivemos. Era o meu maior sonho levá-lo para lá. Em Ílhavo, quando o Carlos nasceu, não havia condições de fazer cesarianas: ou Coimbra ou Porto. E optámos por ir para Coimbra. Mas a terra dele sempre foi esta. Não tinha perdido a esperança. Podia não dizer nada, mas nunca perdi.Tinha a esperança que um dia se iria realizar a transladação. Era um sonho muito grande. No nosso íntimo...realmente tínhamos uma secreta esperança que um dia conseguisse ser uma realidade.E hoje, e este ano, vai ser a primeira vez que sabemos que o nosso filho está no Cemitério de Ílhavo. Esperámos 26 anos, mas finalmente está.” (Manuel Paião)

“Estou em paz. O meu filho está onde eu sempre quis: na terra dele. Ao fim de 26 anos, já tinha perdido a esperança, mas continuaria a lutar. São feridas muito difíceis de sarar. O ter havido uma pessoa que compreendeu o nosso sofrimento, e que nos ajudou, mesmo

sabendo que seria quase impossível. E conseguiu. Agradeço a Deus porque o meu filho agora está em ´casa´. A missa sempre foi rezada em S.Domingos e Carcavelos. Pela 1ª vez vai ser rezada na Igreja de Ílhavo, porque pela 1ª vez nós vamos lá estar no dia 26 de Agosto.” (Ofélia Paião)

Rosário Azedo, 20 de Agosto de 2015
Jornal CascaisAlgés